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Atendimento Online - Razão e Preconceito

O papel da Internet em nossas vidas hoje é inegável. As redes sociais são apenas um dos polos desta instigante ferramenta de pesquisa, relacionamento e informação. A internet democratizou o acesso à informação e à pesquisa, além de facilitar a interação pessoal entre pessoas distantes fisicamente, porem unidas emocionalmente. A família distante já não é mais tão distante, estamos todos a um clique de quem quer que seja, onde quer que se esteja.

Um instrumento criado e aperfeiçoado para facilitar a comunicação de cientistas[1], cujas descobertas aconteciam sincronicamente ao redor do mundo, mas que levavam alguns anos para serem conhecidas e compartilhas, dado à dificuldade de comunicação de cada época, hoje podem ser compartilhadas e discutidas em tempo real; um cientista hoje pode compartilhar um arquivo com seu colaborador, em qualquer parte do mundo - uma nova ordem foi criada.

A internet rompeu barreiras físicas, e talvez seu valor na vida emocional das pessoas não esteja devidamente valorizado. Não saio em defesa de um tipo de relacionamento em detrimento do outro, nem de que as relações “in person” sejam melhores ou piores do que as online, porem as relações online ainda são alvo de preconceito, e seu valor talvez não esteja sendo devidamente avaliado.

O número de pessoas que alguém é capaz de conhecer durante toda sua vida sempre foi limitado por questões geográficas e circunstanciais. As viagens, antes longas, por trem ou navio, hoje são bem mais rápidas e acessíveis a um número cada vez maior de pessoas.  

O ser humano sempre foi curioso através da história. Curioso acerca de outros seres humanos, lugares e culturas, porém poucas pessoas tinham acesso a experiências e conhecimentos que hoje a internet proporciona.

Pode-se dizer que hoje podemos nos relacionar com pessoas com as quais compartilhamos os mesmos interesses, onde quer que elas estejam geograficamente, podendo inclusive nos surpreendermos, ao encontrar pessoas de nosso interesse em nossa vizinhança, as quais não teríamos acesso, caso não as tivéssemos encontrado através da internet.  

Tenho visto amizades valiosas se construindo online, relacionamentos fundamentais, nutritivos, criativos, reais, entre pessoas que nunca se viram pessoalmente, e seria uma desconstrução de valor, um preconceito cruel, desqualificar estes relacionamentos, ao considerá-los menores do que os relacionamentos ao vivo. Seria ao mesmo tempo uma supervalorização irreal, considerarmos que estes relacionamentos são melhores do que os online, apenas porque são diferentes; aliás não podemos nos esquecer dos intensos relacionamentos através de cartas, inegavelmente cruciais não apenas na vida das pessoas, mas para o entendimento histórico e cientifico, como as cartas entre Jung e Freud, Sabina Spielrein, Neumann e tantos outros.

Hoje a internet ocupa o lugar tão precioso representado pelas cartas, porém muito mais realista do que esta; já que a comunicação é imediata, podendo inclusive fazer uso da voz e da imagem, além da tradicional escrita. Negar o valor da comunicação virtual hoje, seria o mesmo que negar o valor histórico, cultural e emocional que as cartas tiveram no passado.

A psicoterapia online é  hoje uma realidade, até mesmo substituindo a antiga visita medica, que já não ocorre mais como antigamente, dando a oportunidade de acesso ao atendimento psicológico a quem não tem condições de locomoção, e liberdade de escolha ampliada, já que podemos escolher o analista de nossa preferência, sem ficarmos presos a condições de distância e transporte.

A psicoterapia online tem vantagens e desvantagens como qualquer outra; porém como as desvantagens tem sido largamente discutidas, levantando todo tipo de polemica, gostaria de enfatizar algumas vantagens, que me surpreenderam, e me fizeram reavaliar meus próprios preconceitos, já que escrevo a partir do ponto de vista do cliente e do analista, visto que experimentei o processo, dentro dos dois papeis.

Algumas vantagens do atendimento online:

  1.  O cliente se sente protegido, podendo interromper a consulta com apenas um clique, caso o terapeuta demonstre algum tipo de preconceito ou prejulgamento sobre os fatos relatados;

  2. O cliente se sente confortável a expor segredos que poderiam levar muito mais tempo a serem expostos numa terapia tradicional, acelerando o processo analítico;

  3. Eventos externos não dificultam o comparecimento às sessões.

  4. A concentração exigida é intensa para ambas as partes;

  5. A opção de escolha do cliente é aumentada, possibilitando a escolha do analista por razões mais profundas do que a conveniência de localização e distancia;

  6. O terapeuta pode trabalhar com clientes de outras culturas e backgrounds, fora de sua zona de conforto;

  7. A terapia não precisa ser interrompida por viagens do terapeuta, quando o caso demanda maior atenção e menores intervalos entre cada sessão.

 

 

A terapia presencial obviamente nos permite utilizar várias técnicas terapêuticas, impraticáveis no atendimento online, tais como trabalho corporal e sand play. Porem se considerarmos que a análise propriamente dita dá-se no nível da relação terapeuta-cliente, e que esta relação pode ser transformadora, independentemente da presença física ou de cada um dos participantes, não podemos negar que a relação transferencial necessária ao processo terapêutico transcende o corpóreo, dado que a esfera psíquica ultrapassa as barreiras da física, e a transferência pode se iniciar mesmo através da leitura de um artigo ou de algum relato passado adiante por outrem.

Vivemos em uma sociedade em constante transformação, a internet transformou nossas vidas e percepção de mundo de uma maneira irreversível, podemos negar isto é fingir que nada mudou, ou encarar o fato consumado de que nada será como antes, e construir novas formas eficazes de lidar com esta profunda transformação social que estamos vivendo.

 

[1] CERN – ‘Conseil Europeen pour la Recherche Nucleaire’, or European Council for Nuclear Research. The World Wide Web was invented at CERN in 1989 by British scientist Tim Berners-Lee.

 

Solange Bertolotto Schneider

 

(Todos os direitos reservados)

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