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A Misoginia mora nos detalhes - Quem tem o poder sobre o contole remoto?


A misoginia e’ recorrente em nossa sociedade, esta’ tão arraigada em nossa cultura que faz parte de comportamentos sociais e familiares sem nenhum questionamento. São aceitos no “piloto automático”, numa forma de torpor ou inercia.

Com mais de trinta anos de experiência como psicoterapeuta, não me faltariam exemplos de como comportamentos misóginos são praticados diariamente, fazendo parte de queixas corriqueiras, principalmente entre casais. No entanto, um fato supostamente banal me tirou do “piloto automático”. Neste caso, só tomei consciência do abuso após a indignação de outra mulher, com a qual fui solidaria, e ‘a qual agradeço por ter me despertado a prestar atenção neste detalhe, nem tão bobo, nem tão raro.

O mais assustador da misoginia está no fato de que nós, mulheres, muitas vezes compartilhamos a permanência deste status quo, cobrando que outras mulheres se adaptem a seus homens, sacrificando parte ou até mesmo todos os seus direitos pelo bem estar do outro.

Vamos ao fato: A situação se dá numa prestigiada academia de ginastica, onde várias tevês estão sempre ligadas, geralmente em canais esportivos. As mulheres eram a maioria na sala, e minha “vizinha” pede ao estagiário para mudar de canal, já que todas as tevês estavam no futebol, e ninguém parecia estar assistindo. O estagiário, ao invés de simplesmente atender ao pedido da cliente, espera que um único homem inicie seus exercícios no aparelho ao lado, e pergunta a ele se ele estava assistindo ao canal, como este diz que sim, o estagiário diz que não poderia mudar de canal porque o cliente, um homem no caso, não queria que mudasse.

Eu, que não estava nem um pouco interessada em qualquer programa de televisão, passei a me interessar pelo comportamento de minha vizinha de equipamento, que se revoltou, dizendo que ao invés de perguntar a todos os clientes o que queriam assistir, o rapaz esperou que um homem estivesse presente, perguntando a este se poderia mudar de canal, ignorando a grande maioria de clientes mulheres que ali estava, e nem se dignou a perguntar se alguma de nós estava satisfeita com a programação escolhida.

Minha colega voltou a reclamar, descrevendo a atitude do rapaz como inadequada e discriminatória. Mais uma vez, o rapaz, ao invés de se desculpar pela, no mínimo, indelicadeza, procura seu superior, dizendo que a mulher estava “criando caso” por causa do canal de televisão, logo a situação vira piada entre o estagiário, seu supervisor e o cliente homem, num claro desrespeito que obviamente já sucedeu a qualquer mulher que reivindica um direito: ser tratada de “histérica”, criadora de caso, ou mesmo “maluca”.

Quando finalmente a situação se resolve, após a intervenção de minha colega e da minha própria, já haviam se passado quase trinta minutos, tempo suficiente para nosso exercício acabar e nos verem fora dali, as criadoras de caso...

Quantas mulheres se identificam com esta situação, de estarem assistindo algum programa de televisão, e assim que marido e filhos chegam, assumem o controle remoto, mudando de canal, sem nem perguntar se pode?

Quantas mulheres são interrompidas em suas falas, por homens que simplesmente as “atropelam”, independentemente delas terem um cargo equivalente ou superior ao deles?

Quantos homens já interpelaram mulheres dizendo que elas deveriam sorrir mais? Eu, pelo menos, estou farta disso, de acharem que devo sorrir em situações inadequadas, onde estou concentrada, criando ou trabalhando, ou mesmo quando somos apresentados a alguém.

Mulheres não são bonecas, como se tenta criar no filme “The Stepford Wives” ou “Mulheres Perfeitas”, em português, embora a sociedade há milênios tentar transformar-nos em seres pacíficos e objetificados.

Todo o assédio e desrespeito pelos quais as mulheres sofrem todos os dias estão no “piloto automático”, não só para nós, como para os homens ao nosso redor.

O controle remoto e’ apenas uma pontinha do iceberg.

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